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.: INVESTIGAÇÃO |
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Sistema de HLAs (Human Leukocyte Antigens) |
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- O que é o Sistema HLA |
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Os genes do Sistema HLA (Human Leukocyte Antigens) são importantes no desenvolvimento de doenças auto-imunes e responsáveis pela rejeição de transplantes de órgãos e tecidos. |
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A descoberta do Sistema HLA
O Complexo Maior de Histocompatibilidade (MHC - Major Histocompatibility Complex), existente em todos os vertebrados, é constituído, entre outros, por genes com importantes funções imunológicas e foi descoberto em 1937 por Peter Gorer durante o estudo de transplantes em ratos (Gorer, 1937). Mais tarde Jean Dausset (1958) publicou as suas observações e conclusões sobre a capacidade do soro de pessoas submetidas a transfusões sanguíneas aglutinar leucócitos de outros indivíduos. Dausset descobriu assim o primeiro antigénio humano, denominado MAC (agora HLA-A*02), um dos produtos dos genes do Sistema Humano de Antigénios Leucocíticos (HLA - Human Leukocyte Antigens), o correspondente humano do MHC. Mais tarde, Jon van Rood e van Leeuwen (1963) publicaram a descoberta de outro gene do sistema HLA a que deram o nome de FOUR (agora HLA-B). Com a invenção da técnica de cultura linfocitária mista em 1964 (Bach e Hirschhorn, 1964; Bain et al. 1964) foram-se acumulando resultados que conduziram à descoberta de novos genes, nomeadamente o HLA-DR na década de 70 do século XX (Yunis e Amos, 1971; Tosi et al. 1978).
O envolvimento do Complexo Maior de Histocompatibilidade na resposta imunitária do organismo só foi confirmada no início da década de setenta do século XX (Shevach et al., 1972) mas actualmente conhece-se já em detalhe a estrutura e função dos genes classe I e classe II do sistema HLA (Bjorkman et al., 1987; Brown et al. 1993). Apesar de actualmente desconhecermos ainda o mecanismo exacto que associa determinados alelos e haplotipos (conjunto de alelos de diferentes loci transmitidos em bloco de geração em geração) do sistema HLA a um elevado risco de desenvolver determinadas doenças autoimunes, já em 1967 esta associação era conhecida (Amiel, 1967).
Devido às suas múltiplas funções, nomeadamente ao nível da histocompatibilidade e regulação imunitária, a investigação em torno do sistema HLA despertou o interesse de várias equipas de investigação possibilitando a descoberta de largas centenas de alelos nos diferentes genes. |
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Nomenclatura do sistema HLA
A enorme diversidade genética do Sistema HLA tornou necessário, desde muito cedo, o estabelecimento de regras claras ao nível da nomenclatura utilizada, tendo sido organizado em 1968 por Bernard Amos o primeiro encontro do Comité de Nomenclatura da Organização Mundial de Saúde (WHO-Nomenclature-Committee, 1968).
Um código de 4 dígitos que distingue os alelos que diferem ao nível das proteínas codificadas foi implementado pela primeira vez no Relatório de Nomenclatura em 1987 em sequência do X Workshop de Histocompatibilidade que decorreu em Nova Iorque nesse mesmo ano (Dupont, 1988). Desta forma foi possível acomodar os diferentes alelos, identificados através de métodos moleculares, que constituem cada grupo serológico. A utilização de um asterisco depois da designação do locus permitiu distinguir a caracterização alélica por métodos moleculares da caracterização por métodos serológicos. Em 1990 foi adicionado um quinto dígito para distinguir as sequências que diferem apenas por substituições nucleotídicas sinónimas (mutações silenciosas) (Bodmer et al., 1991). No entanto, este sistema de nomenclatura já está a atingir, para certos grupos de alelos (e.g HLA-A*02 e HLA-B*15), o nível máximo de alelos que consegue comportar pelo que já estão a ser adoptadas novas convenções. Assim, para acomodar novos alelos nos grupos mais polimórficos, assim que estes atinjam 99 alelos, uma segunda série será utilizada para continuação. A série B*95 está assim reservada para acomodar novos alelos quando o B*1599 for atingido, da mesma forma que a série A*92 dará continuidade aos alelos do grupo A*02 (Marsh et al., 2002). |
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Técnicas de caracterização do sistema HLA
A evolução das técnicas utilizadas na identificação e caracterização das diferentes formas dos genes que compõem o sistema HLA constituiu um dos factores cruciais no desenvolvimento dos conhecimentos nesta área. Os primeiros passos na descoberta do sistema HLA foram dados com recurso às técnicas de leuco-aglutinação com as quais foi possível definir vários antigénios codificados por este conjunto de genes (Berah e Dausset, 1963). Até meados dos anos 80 do século XX as técnicas serológicas constituíam a única forma de caracterizar a diversidade alélica do sistema HLA.
O teste linfocitotóxico foi amplamente divulgado na abordagem serológica para identificação dos antigénios do sistema HLA, existindo actualmente múltiplas variações desta técnica base. Esta técnica consiste na mistura de linfócitos B com soro contendo anticorpos específicos para determinados antigénios do sistema HLA. Os anticorpos, quando na presença de linfócitos B contendo antigénios complementares, ligam-se provocando, com a adição de um complementar, a destruição membranar, o que permite a sua identificação por coloração (Kippax et al., 1985; Zachary et al. 1995).
Devido a problemas de reacção cruzada e indisponibilidade de certos anticorpos, muitos laboratórios adoptaram técnicas de genética molecular para a caracterização dos Sistema HLA. No entanto, estes métodos serológicos continuam a ser amplamente utilizados em testes de crossmatching com o objectivo de validar potenciais dadores seleccionados para transplantes de órgãos e tecidos. Este procedimento é desenvolvido como salvaguarda à ocorrência de rejeição aguda do transplante pois alguns pacientes poderão ter sido previamente sensibilizados contra determinados antigénios HLA. Mesmo que os alelos do dador e do receptor sejam compatíveis, em sequência de transfusões de sangue, da realização de outros transplantes ou de uma gravidez, o paciente poderá ter desenvolvido anticorpos contra alguns dos antigénios do dador levando a uma reacção violenta logo no início do transplante, pondo em causa o seu sucesso (Moore et al., 1997).
Os métodos de restrição enzimática (RFLP- Restriction Fragment Length Polymorphysm) permitiram dar os primeiros passos na identificação genética destes alelos no início da década de 80 do século XX permitindo uma maior precisão comparativamente aos métodos serológicos. Com o advento da PCR (Polymerase Chain Reaction) (Saiki et al., 1985, Mullis e Faloona, 1987), particularmente após a sua automatização, depressa os métodos de caracterização alélica do sistema HLA por restrição enzimática evoluíram e mais tarde foram mesmo ultrapassados por outros procedimentos mais modernos (Howell et al., 1989; Ota et al., 1992). A associação entre a PCR e a restrição enzimática permitiu a adopção de uma técnica de caracterização alélica do sistema HLA mais eficiente e em alta resolução. Após a amplificação dos exons polimórficos do locus HLA em estudo, o DNA obtido por PCR é digerido com enzimas de restrição especificas e o perfil dos fragmentos produzidos é analisado após separação por electroforese (Mitsunaga et al., 1998).
Vários métodos foram desenvolvidos com base na PCR. A caracterização alélica por SSOP (Sequence Specific Oligonucleotide Probes) recorre a primers complementares de zonas conservadas para amplificar os exons polimórficos dos loci HLA (exons 2 e 3 nos genes HLA classe I e exon 2 nos genes classe II). O DNA amplificado é fixo a uma membrana e é hibridado com sondas oligonucleotídicas marcadas com fluorescência. As sondas complementares às zonas polimórficas do DNA amplificado produzem um padrão de hibridação cuja análise permite identificar os alelos presentes do sistema HLA (Middleton, 2000). Esta técnica permite a caracterização do sistema HLA em baixa ou alta resolução consoante o painel de sondas utilizado e é adequada para grandes quantidades de amostras (Middleton e Williams, 1997).
O teste SSP (Sequence Specific Priming) utiliza directamente a técnica de PCR para identificar os alelos do sistema HLA com recurso a oligonucleotidos complementares a sequências nucleotídicas polimórficas conhecidas (Bunce et al., 1995; Olerup e Zetterquist, 1992; Olerup e Zetterquist, 1993). Esta técnica baseia-se no facto de um primer complementar à cadeia de DNA ser mais eficiente na amplificação por PCR do que os primers com um ou mais nucleótidos não coincidentes. Primers específicos para a amplificação de determinados alelos, com separação e visualização através de electroforese em géis de agarose, permitem caracterizar em baixa ou alta resolução os genes HLA (Middleton e Williams, 1997).
A caracterização alélica dos genes do sistema HLA através da sequenciação nucleotídica (SBT- Sequence Based Typing) é o método molecular actualmente mais fiável, o qual permite inclusive a identificação directa de novos alelos (Middleton e Williams, 1997; Kurz et al., 1999; McGinnis et al., 1995). Esta técnica desenvolve-se com a amplificação, por PCR, dos fragmentos contendo os exons polimórficos a sequenciar. As técnicas e tecnologias mais recentes permitem a sequenciação directa do fragmento sendo que a sua natureza heterozigótica implica a utilização de um programa informático próprio para a descriminação dos alelos presentes em cada amostra.
A escolha do método a utilizar na caracterização alélica do sistema HLA depende das especificidades de cada laboratório e dos objectivos do trabalho. Desde a rapidez necessária até ao número de amostras, passando pelo equipamento existente, orçamento disponível e experiência dos recursos humanos, inúmeras são as variáveis que influenciam a escolha do método. Consoante as necessidades e os objectivos dos laboratórios, nomeadamente se pretendem baixa ou alta resolução, poderão optar por utilizar mais de um método. No entanto, em qualquer dos casos, qualquer um dos métodos disponíveis necessita de ser continuamente actualizado por forma a integrar as alterações que permitem a evolução das técnicas e considerar os novos alelos que continuamente são descobertos (Middleton e Williams, 1997). |
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Estrutura e função do Sistema HLA
Os loci HLA estão localizados no braço mais pequeno do cromossoma 6 na banda 6p21.3 formando um complexo sistema de genes funcionalmente relacionados entre si (Figura 1) (Bender et al. 1983). O sistema HLA é constituído por 224 genes, dos quais 128 são genes funcionais e 96 são pseudogenes. |
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- Mapa da região HLA (banda 6p21.3 do cromossoma 6). Os genes e pseudogenes não clássicos classe I estão representados por rectângulos não preenchidos. |
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Os genes funcionais do sistema HLA são os mais variáveis do genoma humano com capacidade de expressão, 40% dos quais desempenham um importante papel em funções imunológicas. Para além destes genes existem ainda no sistema HLA elementos repetitivos que compreendem quase 50% da sequência do sistema HLA (MHC sequencing consortium, 1999; Garrigan & Hedrick, 2003).
O sistema HLA, com cerca de 4 Mb (megabases) de extensão, está subdividido em três regiões: classe I, classe II e classe III, de acordo com a estrutura e função dos seus genes. Os genes classe I, localizados na porção mais telomérica do sistema HLA, são constituídos por vários exons, intercalados por introns, que codificam para a formação da cadeia polipeptídica alfa de receptores glicoproteicos da membrana das células nucleadas, constituídos por uma região extracelular de ligação a antigénios, uma região transmembranar e um segmento citoplasmático. Os polimorfismos nos genes classe I localizam-se essencialmente nos exons 2 e 3, os quais codificam para as estruturas moleculares alfa 1 e alfa 2 do receptor membranar onde se localiza o sítio de ligação aos antigénios (Malissen et al., 1982). Estes receptores membranares interagem com linfócitos T CD8 positivos que detectam alterações de expressão nas células, alterações estas que podem ocorrer devido a infecções ou ao desenvolvimento de células tumorais. Desta forma os linfócitos T (CD8+) reconhecem as células que deverão atacar para combater o avanço de uma determinada infecção ou de um tumor (Doherty & Zinkernagel, 1975).
Os genes classe II localizam-se na região mais centromérica do sistema HLA e codificam para as estruturas alfa e beta de receptores membranares que se expressam nas células que apresentam antigénios, nomeadamente linfócitos B e células dendríticas. O exon 2, que codifica para a estrutura extracelular do receptor membranar, responsável pela ligação aos antigénios, concentra a maior parte dos polimorfismos nestes genes. Estes receptores membranares, constituídos por uma porção extracelular, uma região transmembranar e um segmento citoplásmático, reconhecem a presença de elementos estranhos e estimulam os linfócitos T CD4 positivos, reforçando a resposta imunitária contra agentes infecciosos (Das et al., 1983; Doherty & Zinkernagel, 1975; Gatti & Pierre, 2003).
A região classe III do sistema HLA localiza-se entre os genes classe I e classe II e, apesar de não ser tão polimórfico como estes últimos, constitui o segmento do genoma humano com maior densidade de genes (Xie et al., 2003). Ao contrário da região classe I e classe II onde existem dezenas de pseudogenes, a região classe III possui apenas dois (MHC sequencing consortium, 1999). Os genes presentes nesta região não são, na sua maioria, relacionados entre sim nem com os genes da classe I e II e não possuem um padrão comum de expressão. Os genes classes III do sistema HLA possuem funções várias, destacando-se o seu papel na codificação de proteínas solúveis importantes na modelação e regulação da resposta imunitária (Xie et al., 2003).
Os genes clássicos HLA-A, HLA-B, HLA-Cw (classe I), HLA-DRB1, HLA-DPB1 e HLA-DQB1 (classe II), co-dominantes, são os mais polimórficos e mais estudados do sistema HLA (Mizuki et al., 1996). Por ouro lado, os genes não clássicos, nomeadamente HLA-E, HLA-F e HLA-G (classe I), com funções ainda mal conhecidas, possuem uma distribuição muito restrita, baixos níveis de expressão e são pouco polimorfismos comparativamente aos genes clássicos, com os quais partilham uma estrutura similar (Le Bouteiller, 1997).
Os genes classe I e II constituem no seu conjunto 1998 alelos diferentes, sendo o mais polimórfico o locus HLA-B com 627 alelos, seguindo-se o HLA-DRB1 com 394, o HLA-A com 349, o HLA-Cw com 182 e o HLA-DPB1 com 116 (Marsh et al., 2005). O número de alelos em cada gene está constantemente a aumentar à medida que novas populações mundiais são tipadas ao nível do Sistema HLA. |
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Evolução e diversificação do sistema HLA
O Sistema Maior de Histocompatibilidade (MHC), cujo correspondente humano é o sistema HLA, surgiu através de repetidas duplicações e conversões de genes ao longo de milhões de ano no decorrer da evolução dos vertebrados desde a divergência dos ciclóstomos (Kasahara et al., 1996; Kasahara et al., 1997). A análise do MHC de alguns vertebrados mostra diferenças notórias, nomeadamente ao nível da inclusão, ordem e sequências nucleotídicas dos genes mas, por outro lado, revela a existência de uma estrutura comum principalmente entre os mamíferos (Yuhki et al. 2003). Ao contrário do que sucede nos mamíferos, noutros vertebrados, como aves e peixes, os loci MHC nem sempre estão reunidos num único conjunto, dispersando-se no mesmo ou em cromossomas diferentes (Miller et al., 1994; Bingulac-Popovic et al., 1997).
A grande quantidade e diversidade de informação disponível relativamente à diversidade, estrutura e função dos genes do sistema HLA apresentam padrões de variação que mostram sinais evidentes de selecção. A frequência de homozigóticos em vários loci HLA é significativamente inferior ao esperado em condições neutrais em inúmeras populações humanas. Vários loci do sistema HLA submetidos ao teste de neutralidade Ewens-Watterson têm rejeitado a neutralidade em inúmeras populações (Piancatelli et al., 2004; Cao et al., 2004; Ellis et al., 2000; Tiercy et al., 1992; Mack et al., 2000; Renquin et al., 2001). A variação nos loci HLA está essencialmente concentrada nas regiões envolvidas na codificação dos sítios de ligação aos antigénios dos receptores membranares, situação que não é susceptível de ter sido originada a partir de uma evolução neutral (Parham et al., 1988; Hedrick et al., 1991; Valdes et al., 1999). A maior acumulação de substituições não sinónimas nas regiões que codificam para os sítios de ligação aos antigénios revela também a actuação da selecção natural, privilegiando o aumento da variação que neste caso é funcionalmente relevante (Nei & Gojobori, 1986; Hughes & Nei, 1988).
O mecanismo que parece ter maiores responsabilidades na manutenção dos elevados níveis de polimorfismo encontrados nos genes do sistema HLA, e que fazem deles os mais variáveis do genoma humano, é a selecção oscilante, decorrente da acção de diferentes parasitas (Hedrick & Thomson, 1983; Hedrick, 1999).
A selecção oscilante refere-se a mecanismos de selecção natural que conduzem à manutenção de polimorfismos genéticos numa população, em oposição à selecção direccional que favorece um único alelo. Entre os diferentes mecanismos inerentes à selecção oscilante destacam-se como os mais estudados a “vantagem dos heterozigóticos” e a “selecção dependente da frequência”. A “vantagem dos heterozigóticos” é baseada na ideia de que os heterozigóticos são capazes de reconhecer o dobro dos parasitas, um por cada alelo, apresentando uma vantagem adaptativa em relação aos homozigóticos (Spencer & Marks, 1988). A “selecção dependente da frequência” baseia-se no pressuposto de que os alelos mais raros possuem uma forte vantagem selectiva relativamente aos mais comuns para os quais os parasitas podem ter já desenvolvido resistência (Bodmer, 1972). |
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